Por Arnaldo V. Carvalho*
As transformações sociais sempre se dão por muitas causas, e uma reflexão apropriada sobre um tema como a oscilação de popularidade de uma terapia precisa levar em conta esta complexidade. Em relação ao Shiatsu, poderíamos citar diversas situações que têm levado a um aparente encolhimento de mercado. O crescimento da influência cultural da China (em especial no campo das medicinas tradicionais), as dificuldades econômicas que reduzem a busca por terapias individuais e por outro lado, reforçam as atividades coletivas (por serem mais baratas), a retração dos movimentos de viagem ao Japão por brasileiros (por diversos motivos) são algumas dessas razões. Mas há uma em especial da qual este artigo irá se concentrar: a associação renovada entre as ofertas de terapias “instantâneas” e o marketing digital.
Sempre houve uma oferta abusiva e sensacionalista de tratamentos para os males do corpo, da mente e do campo energético (ou mesmo do espírito). No entanto, o avanço da tecnologia – e as ficções que a acompanham – tem ampliado rapidamente o poder de alastramento de tais ofertas e seus lucros.
Terapias que prometem “limpar o DNA em uma sessão”, cursos de um final de semana (as vezes online, e até mesmo com aula gravada) que prometem te tornar capaz de aplicar – profissionalmente – uma técnica supostamente curativa e praticamente milagrosa, e mesmo livros de autoajuda com afirmativas sobre “fique rico desbloqueando sua escassez interior”, tudo isso faz muito sucesso, porque apela diretamente à ansiedade crescente das pessoas.
O problema se amplificou nos últimos anos, a medida que essa enxurrada de novas terapias e terapeutas que abusam de promessas extraordinárias aliou-se às práticas de marketing digital, e passou a habitar celulares e redes sociais. Com o uso deste poder – denunciado por meios como o documentário “O Dilema das Redes” – as ofertas abusivas passaram a entrar na casa e nas estruturas mentais das pessoas. O ápice ocorreu durante a pandemia, onde as pessoas, isoladas, passaram a ter contato com o mundo praticamente (e o tempo todo) pela Internet. Esse contato inclui as ações de busca – e a oferta digital – por soluções para aplacar suas questões sociais postas pelas circunstâncias, incluindo crises emocionais, relacionais e econômicas. Portas abertas para cursos dos mais variados públicos, cada vez mais com aulas gravadas, a disposição de seus fregueses 24h. As pessoas foram comprando sonhos e substituindo reflexão, contato com a realidade e terapia de verdade por esse tipo de coisa. E aí mora uma parte do problema: o Shiatsu é presencial, não atual com ilusões nem promete solução rápida.
De qualquer forma, não se pode dizer que o auge de sua popularidade não se relaciona a outras ações de marketing, ocorridas no passado: em algum momento, o Shiatsu chegou a alcançar mais notoriedade no plano internacional, como nos anos de 1970 e 1980, quando mestres japoneses como Tokujiro Namikoshi e Wataru Ohashi faziam sucesso tratando de personalidades como Muhammad Ali e Liza Minelli, respectivamente, e o filme Karatê Kid apresentava um personagem a incorporar a sabedoria oriental japonesa – o “Senhor Miyagi”. O mestre de Karatê era, capaz de curar apenas pelo poder do toque. Fez tanto sucesso que seu ator, Pat Morita, posteriormente gravou vídeos ao estilo “aprenda a fazer Shiatsu”, um sucesso de vendas em fitas VHS. Por outro lado, o Japão nessa época tornara-se potência econômica e passou a receber uma grande quantidade de brasileiros de origem oriental, os “dekassegui”. Estes eventualmente voltavam ao Brasil tendo feito cursos de Shiatsu, o que ajudou a alastrar a oferta de tratamentos profissionais em nosso país. Toda essa circunstância midiática e econômica ecoou pelos anos seguintes, e nos anos de 1990 e 2000 o Shiatsu se tornou uma terapia com um reconhecimento bastante razoável no Brasil.
O Shiatsu cresceu na medida em que alguns de seus mais conhecidos representantes passaram a lançar mão de estratégias de marketing – incluindo gestos padronizados, chavões, associação de imagem com a de personalidades, fotos com turmas compostas por dezenas de alunos (uma “marca de sucesso”), números estatísticos (é muito comum médicos e terapeutas japoneses exibirem orgulhosos as estimativas de quantos atendimentos já fizeram, por exemplo, o que chama a atenção de muita gente), e quando teve a oportunidade de receber atenção da mídia. Por vezes, parece que também seus praticantes aderiram a essa cultura de superfície e busca por “novidades”: um novo professor explicando um novo estilo de Shiatsu, um professor estrangeiro, uma técnica importada de outra terapia, etc., por vezes é o que traz impulso à comunidade global de praticantes. É verdade que há inovações e contribuições reais – afinal, o Shiatsu nunca foi uma terapia fechada e segue em desenvolvimento), mas é preciso discernir essas contribuições do que é apenas mais do mesmo, apenas recebendo o verniz da novidade, das manobras marketeiras e das falsas promessas.
Pertencer a correntes guruístas e/ou beneficiar-se de um marketing predador nunca foi a vocação do Shiatsu ou de outras terapias mais sérias. Em especial, aquelas que compreendem suas limitações, a importância do tempo e da dedicação ao tratamento, o papel não só do terapeuta mas do atendido, a construção histórica que cada pessoa traz consigo, dentre outros. Assim, frente às terapias que procuram atribuir efeitos milagrosos às suas ações, e seus engenhos de marketing, suas “fórmulas de lançamento” e estratégias digitais, o Shiatsu pode ter saído do foco de quem não chegou a construir uma compreensão e um vínculo mais sólido com ele (infelizmente, fez parte do marketing que promoveu o Shiatsu nos anos idos ter vendido a terapia apenas como “massagem”). Tudo isso – dentre outras razões – pode causar a impressão de encolhimento do Shiatsu, ou mesmo descrédito.
Por que somos poucos na Shiem, e porque isso é importante para nós
No caso específico da escola Shiem, que procura divulgar o Shiatsu e sua complementação – o Shiatsu Emocional -, estamos na contramão das promessas, e consideramos que muitas dessas são na verdade contraditórias ao próprio Shiatsu, quando não são negativas.
Nossas turmas são pequenas, nós não consideramos que um terapeuta de Shiatsu é o responsável pela cura de seus atendidos, e acreditamos que o melhor Shiatsu é aquele que se pratica no dia a dia, como forma preventiva. Acreditamos que os tratamentos profissionais de Shiatsu podem ser muito eficazes para alguns objetivos e dependendo das circunstâncias, e que faz parte da qualidade profissional compreender as limitações e indicar caminhos para seus atendidos. Também não estimulamos a ideia de que os cursos tornam alguém terapeuta, nem estimamos um número de horas hipotético que procure garantir que das aulas de uma escola saia um profissional plenamente formado, porque isso não existe. Pessoas podem passar muitos anos em formações – mesmo acadêmicas – e pouco ou nada aprenderem para além de reprodução, cópia do que se fazia antes. Na Shiem, no entanto, compreendemos o Shiatsu como um processo pessoal de desenvolvimento. Os cursos são pequenos impulsos, e entre cada um deles há um estímulo a continuidade coletiva, por meio de nossa comunidade. Estimulamos os encontros de prática e estudo, e que o praticante vivencie as lições do Shiatsu em atitude reflexiva constante no dia a dia. Não haverá uma prova de proficiência, pois estas não são capazes de avaliar outra coisa que não a absorção de moldes. Acreditamos que o Shiatsu pode libertar, não condicionar, e por isso prova nenhuma faz sentido para nós. Mesmo assim, apresentamos desde o começo um rigor pedagógico e metodológico complexo, que leva em conta os saberes trazidos por nossos alunos e procura fazer com que construam pontes entre a própria história que trazem consigo e o Shiatsu. Para isso, lançamos mão de muitas estratégias de ensino, desenvolvidas por nós e hoje com o aval de estudos acadêmicos acerca de didática e educação. Não usamos estratégias de marketing que estimulam ansiedades. Frases como “você vai perder essa?”, “você tem 2h para ter o desconto” não fazem nem farão parte de nossas divulgações. Preferimos, aliás, que as pessoas venham ou por indicação de quem já nos conhece, ou depois que passe algum tempo investigando nossa seriedade, competência e princípios. Orientamos aos interessados que leiam os artigos presentes na Shiem, que assistam entrevistas e outras mídias onde podemos explicar um pouco mais sobre o Shiatsu e a nossa escola. E convidamos a todos a conversarem um pouco mais, diretamente conosco, sobre o tema.
Isso ocorre porque o Shiatsu não é um produto, é um modo de vida para nós. Se ele nos ajuda a viver materialmente, não é por isso que a questão material deve ficar acima de seus valores, ou eles não teriam nos ensinado muita coisa.
Porque somos fieis a esses princípios, desconsideramos números. Queremos qualidade de aprendizagem, relacionamento e Vida. Isso é o que é importante para nós e nos manterá sempre afastados desse campo de falsas promessas e muitas frustrações pelas pessoas que vivem “de galho em galho” buscando soluções rápidas para suas vidas.
21 de abril de 2022
* Arnaldo V. Carvalho, praticante de Shiatsu. Terapeuta, mestre e doutorando em educação e autor do livro Shiatsu Emocional.
É professor e coordenador da equipe de professores da Shiem.
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Esse não é um artigo focado em charlatanismo, no entanto, dialoga com o problema e nesse caso, uma leitura complementar interessante pode ser encontrada na Revista Piauí, onde um artigo sobre o tema, escrito pelo historiador britânico Peter Burke, foi publicado: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/ascensao-dos-charlatoes/